Protestos “pacíficos” versus polícia violenta.

O que são protestos violentos? São protestos onde os manifestantes reagem à violência da polícia. O que são protestos pacíficos? São protestos onde os manifestantes apanham como cachorro ladrão sem a menor reação. Nos dois casos a polícia trabalha no sentido de ACABAR com a manifestação. De impedir a manifestação, aquela mesma garantida por essa nossa piada doméstica, que é a constituição.

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Um exemplo de “protesto pacífico”.

Link

A advogada militante pelos direitos humanos, Eloisa Samy, faz o seu depoimento e expõe os motivos pelo qual está sendo perseguida politicamente pelo Estado Brasileiro. Hoje (21),  no Rio de Janeiro, a advogada requereu asilo político ao Consulado Geral do Uruguai, e permanece dentro da casa, em território fora da competência judiciária brasileira. A Polícia Militar posicionou o batalhão do choque nas imediações da embaixada e aguardam a saída de Eloisa Samy para cumprir mandado de prisão expedido na última sexta-feira (18).

De acordo com a imprensa Mídia Ninja dois agentes da Polícia Militar do RJ estiveram há alguns minutos no Consulado Geral do Uruguai no Rio em diligência para prender a advogada. O Consul do Uruguai no Rio impediu a entrada dos agentes e determinou o fechamento imediato ao público da representação diplomática.

Histórico

Eloisa foi detida recentemente, em caráter temporário, conjuntamente com outros 19 ativistas. Ela foi libertada em razão de habeas corpus que beneficiou 13 participantes dos protestos. O responsável pelas solturas é o desembargador Siro Darlan, da 7ª Vara Criminal.

Posteriormente, após denúncia do Ministério Público contra os ativistas foi determinada a expedição de prisão preventiva 23 ativistas, inclusive para a advogada. Dos 23 ativistas que tiveram a prisão preventiva decretada, cinco já estavam presos e os outros 18 estão foragidos.

Vídeo: Mídia Ninja/ MIC

 

 

http://advogadosativistas.com/perseguida-politica-a-advogada-eloisa-samy-denuncia-os-abusos-do-estado/

Ocupação 101, A Voz da Maioria Silenciada – Occupation 101 (2006) Legendado PT

 

Há muitos anos que quase diariamente aparecem notícias nos telejornais sobre o conflito israelo-palestiniano. Quem não conhece as causas actuais e históricas deste conflito pode ver neste documentário “Occupation 101″ uma compreensiva análise dos factos, dos mitos e equívocos. O filme mostra como é o dia-a-dia naqueles territórios e os principais obstáculos que se interpõem no caminho de uma paz duradoura e viável. As raízes do conflito são explicadas através das experiências no terreno dos principais estudiosos do Médio Oriente, activistas da paz, jornalistas, líderes religiosos e trabalhadores humanitários, cujas vozes foram demasiadas vezes reprimidas em jornais americanos. O filme cobre uma larga variedade de tópicos – que incluem – a primeira onda da imigração judaica da Europa nos anos 1880, a tensão 1920, a guerra 1948, a guerra 1967, o primeiro Intifada de 1987, o Processo de Paz de Oslo, a expansão do Acordo, o papel do Governo de Estados Unidos, o segundo Intifada de 2000, a barreira de separação e a retirada israelita da faixa de Gaza, bem como muitos testemunhos de vítimas deste drama.

Médicos cubanos: rola uma implicância, ou é só impressão minha?

Médico brasileiro comenta ‘gritaria’ da mídia sobre médicos cubanos

Postado em: 13 mai 2013 às 15:36

“Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma?”

Carta do médico Pedro Saraiva, enviada para o jornalista Luis Nassif e inicialmente reproduzida em seu blog esclarece diversos pontos sobre a vinda dos médicos cubanos ao Brasil.

Por Pedro Saraiva

Olá Nassif, sou médico e gostaria de opinar sobre a gritaria em relação à vinda dos médicos cubanos ao Brasil

Bom, como opinião inteligente se constrói com o contraditório, vou tentar levantar aqui algumas informações sobre a vinda de médicos cubanos para regiões pobres do Brasil que ainda não vi serem abordadas.

médicos cubanos haiti brasil

Médicos cubanos no Haiti atendem mais de 15 milhões de miseráveis (Foto: Divulgação)

– O principal motivo de reclamação dos médicos, da imprensa e do CFM seria uma suposta validação automática dos diplomas destes médicos cubanos, coisa que em momento algum foi afirmado por qualquer membro do governo. Pelo contrário, o próprio ministro da saúde, Alexandre Padilha, já disse que concorda que a contratação de médicos estrangeiros deve seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissional. Portanto, o governo não anunciou que trará médicos cubanos indiscriminadamente para o país. Isto é uma interpretação desonesta.

– Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm, respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está focado nos médicos de Cuba, parece que o problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro preconceito.

– Portugal já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquos, afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à frente vou dar maiores detalhes deste fato). A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos cubanos e a população aprova o seu trabalho.

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– Acho que é ponto pacífico para todos que médicos estrangeiro tenham que ser submetidos a provas aí no Brasil. Não faz sentido importar profissionais de baixa qualidade. Como já disse, o próprio ministro da saúde diz concordar com isso. Eu mesmo fui submetido a 5 provas aqui em Portugal para poder validar meu título de especialista. As minhas provas foram voltadas a testar meus conhecimentos na área em que iria atuar, que no caso é Nefrologia. Os cubanos que vieram trabalhar em Medicina de família também foram submetidos a provas, para que o governo tivesse o mínimo de controle sobre a sua qualidade.

Pois bem, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Fui procurar dados sobre o Revalida, exame brasileiro para médicos estrangeiros e descobri que no ano de 2012, de 182 médicos cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de estranho em tamanha dissociação. Será que estamos avaliando corretamente os médicos estrangeiros?

Seria bem interessante que nossos médicos se submetessem a este exame ao final do curso de medicina. Não seria justo que os médicos brasileiros também só fossem autorizados a exercer medicina se passassem no Valida? Se a preocupação é com a qualidade do profissional que vai ser lançado no mercado de trabalho, o que importa se ele foi formado no Brasil, em Cuba ou China? O CFM se diz tão preocupado com a qualidade do médico cubano, mas não faz nada contra o grande negócio que se tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina. No Brasil existe um exército de médicos de qualidade pavorosa. Gente que não sabe a diferença entre esôfago e traqueia, como eu já pude bem atestar. Porque tanto temor em relação à qualidade dos estrangeiros e tanta complacência com os brasileiros?

REVALIDA

– Em relação este exame de validação do diploma para estrangeiros abro um parêntesis para contar uma situação que presenciei quando ainda era acadêmico de medicina, lá no Hospital do Fundão da UFRJ.

Um rapaz, se não me engano brasileiro, tinha feito seu curso de medicina na Bolívia e havia retornado ao país para exercer sua profissão. Como era de se esperar, o rapaz foi submetido a um exame, que eu acredito ser o Revalida (na época realmente não procurei me informar). O fato é que a prova prática foi na enfermaria que eu estava estagiando e por isso pude acompanhar parte da avaliação. Dois fatos me chamaram a atenção, o primeiro é a grande má vontade dos componentes da banca com o candidato. Não tenho dúvidas que ele já havia sido prejulgado antes da prova ter sido iniciada. Outro fato foi o tipo de perguntas que fizeram. Lembro bem que as perguntas feitas para o rapaz eram bem mais difíceis que aquelas que nos faziam nas nossas provam. Lembro deles terem pedidos informações sobre detalhes anatômicos do pescoço que só interessam a cirurgiões de cabeça e pescoço. O sujeito que vai ser médico de família, não tem que saber todos os nervos e vasos que passam ao lado da laringe e da tireoide. O cara tem que saber tratar diarreia, verminose, hipertensão, diabetes e colesterol alto. Soube dias depois que o rapaz tinha sido reprovado.

Não sei se todas as provas do Revalida são assim, pois só assisti a uma, e mesmo assim parcialmente. Mas é muito estranho os médicos cubanos terem alta taxa de aprovação em Portugal e pouquíssimos passarem no Brasil. Outro número que chama a atenção é o fato de mais de 10% dos médicos em atividade em Portugal serem estrangeiros. Na Inglaterra são 40%. No Brasil esse número é menor que 1%. E vou logo avisando, meu salário aqui não é maior do que dos meus colegas que ficaram no Brasil.

– Até agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem 6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico do que ter médicos cubanos? É o óbvio ululante que o ideal seria criar condições para que médicos brasileiros se sentissem estimulados a ir trabalhar no interior. Mas em um país das dimensões do Brasil e com a responsabilidade de tocar a medicina básica pulverizada nas mãos de centenas de prefeitos, isso não vai ocorrer de uma hora para outra. Na verdade, o governo até lançou nos últimos anos o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que oferece salários mensais de R$ 8 mil e pontos na progressão de carreira para os médicos que vão para as periferias. O problema é que até hoje só 4 mil médicos aceitaram participar do programa. Não é só salário, faltam condições de trabalho. O que fazemos então? vamos pedir para os mais pobres aguentar mais alguns anos até alguém conseguir transformar o SUS naquilo que todos desejam? Vira lá para a criança com diarreia ou para a mãe grávida sem pré-natal e diz para ela segurar as pontas sem médico, porque os médicos do sul e sudeste do Brasil, que não querem ir para o interior, acham que essa história de trazer médico cubano vai desvalorizar a medicina do Brasil.

– É bom lembrar que Cuba exporta médicos para mais de 70 países. Os cubanos estão acostumados e aceitam trabalhar em condições muito inferiores. Aliás, é nisso que eles são bons. Eles fazem medicina preventiva em massa, que é muito mais barata, e com grandes resultados. Durante o terremoto do Haiti, quem evitou uma catástrofe ainda maior foram os médicos cubanos. Em poucas semanas os médicos dos países ricos deram no pé e deixaram centenas de milhares de pessoas sem auxílio médico. Se não fosse Cuba e seus médicos, haveria uma tragédia humanitária de proporções dantescas. Até o New England Journal of Medicine, a revista mais respeitada de medicina do mundo, fez há poucos meses um artigo sobre a medicina em Cuba. O destaque vai exatamente para a capacidade do país em fazer medicina de qualidade com recursos baixíssimos (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1215226).

– Com muito menos recursos, a medicina de Cuba dá um banho em resultados na medicina brasileira. É no mínimo uma grande arrogância achar que os médicos cubanos não estão preparados para praticar medicina básica aqui no Brasil. O CFM diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada medicina americana (dados da OMS).

– Agora, ninguém tem que ir cobrar do médico cubano que ele saiba fazer cirurgia de válvula cardíaca ou que seja mestre em dar laudos de ressonância magnética. Eles não vêm para cá para trabalhar em medicina nuclear ou para fazer hemodiálises nos pacientes. Medicina altamente tecnológica e ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população em relação a cuidados de saúde, não trata diarreia de criança, não aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção. É isso que parece não entrar na cabeça de médicos que são formados para serem superespecialistas, de forma a suprir a necessidade uma medicina privada e altamente tecnológica. Atenção! O governo que trazer médicos para tratar diarreia e desidratação! Não é preciso grande estrutura para fazer o mínimo. Essa população mais pobre não tem o mínimo!

Que venham os médicos cubanos, que eles façam o Revalida, mas que eles sejam avaliados em relação àquilo que se espera deles. Se os médicos ricos do sul maravilha não querem ir para o interior, que continuem lutando por melhores condições de trabalho, que cobrem dos governos em todas as esferas, não só da Federal, melhores condições de carreia, mas que ao menos se sensibilizem com aqueles que não podem esperar anos pela mudança do sistema, e aceitem de bom grado os colegas estrangeiros que se dispõe a vir aqui salvar vidas.

Infelizmente até a classe médica aderiu ao ativismo de Facebook. O cara lê a Veja ou O Globo, se revolta com o governo, vai no Facebook, repete meia dúzia de clichês ou frases feitas e sente que já exerceu sua cidadania. Enquanto isso, a população carente, que nem sabe o que é Facebook morre à mingua, sem atendimento médico brasileiro ou cubano

A Barbárie instalada na sala de estar

Uma terrível normalidade: os massacres e as aberrações da História

Nós precisamos nos esforçar de toda forma possível pelo desenrolar revolucionário, uma revolução de democracia.

Ao longo de boa parte da história, o anormal tem sido a norma, Este é o paradoxo que vamos examinar. Aberrações, tão abundantes que formam uma terrível normalidade própria, caem sobre nós com uma consistência medonha.

A quantidade de massacres na história, por exemplo, é quase maior do que nós podemos nos lembrar. Houve o holocausto do Novo Mundo, que consistiu no extermínio de povos indígenas americanos nativos por todo o hemisfério ocidental, estendendo-se por quatro ou mais séculos e continuando até tempos recentes na região amazônica.

Foram séculos de escravidão cruel nas Américas e em outros lugares, seguidas por um século inteiro de linchamentos a da segregação de Jim Crow nos Estados Unidos, e pelos numerosos assassinatos e prisões da juventude negra pela polícia atualmente.

Wikicommons

Linchamento público de Henry Smith, negro norte-americano morto por espancamento em 1893 em Paris, Texas

Não nos esqueçamos do extermínio de 200 mil filipinos pelo exército dos Estados Unidos no começo do século 20, o massacre genocida de 1.5 milhão de armênios pelos turcos em 1915, e a matança em massa dos africanos pelos colonialistas ocidentais, incluindo as 63 mil vítimas do genocídio de hererós e namaquas, no sudoeste africano alemão, em 1904, e a brutalização e escravização de milhões de belgas do Congo desde o final dos anos 1880 até a sua emancipação em 1960 – seguida pelos anos de exploração do livre-comércio neocolonial e pela repressão no que era o Zaire de Mobutu.

Os colonizadores franceses mataram 150 mil argelinos. Mais tarde, muitos milhões faleceram em Angola e Moçambique ao lado de outros 5 milhões na impiedosa região hoje conhecida como a República Democrática do Congo.

O século vinte nos deu – além de outros horrores – mais de 16 milhões de vidas perdidas e de 20 milhões de feridos ou mutilados na Primeira Guerra Mundial, seguidos pelos estimados 62 a 78 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, incluindo 24 milhões de militares e civis soviéticos, 5.8 milhões de judeus europeus, e somados como um todo, muitos milhões de sérvios, poloneses, ciganos, homossexuais e uma porção de outras nacionalidades.

Nas décadas depois da Segunda Guerra Mundial, muitos, se não a maioria, dos massacres e guerras foram abertamente ou secretamente patrocinados pelo estado de segurança nacional dos Estados Unidos. Isso inclui os mais ou menos dois milhões deixados mortos ou desaparecidos no Vietnã, ao lado dos 250 mil cambojanos, 100 mil laosianos e 58 mil americanos.

Em boa parte da África, Ásia Central, e no Oriente Médio, hoje, existem guerras “menores”, cheias de atrocidades de todos os tipos. A América Central, a Colômbia, a Ruanda e outros lugares numerosos demais para listar sofreram massacres e extermínios em massa de centenas de milhares, uma constância de horrores violentos. No México, uma “guerra contra as drogas”, tirou a vida de 70 mil pessoas e deixou 8 mil desaparecidas.

Houve a chacina de mais de meio milhão de indonésios socialistas ou nacionalistas democráticos pelo exército indonésio patrocinado pelos Estados Unidos em 1965, que terminou seguida pelo extermínio de 100 mil timorenses do leste pelo mesmo exército apoiado pelos Estados Unidos.

Considere os 78 dias de destruição aérea da Iugoslávia pela OTAN, completada com [armas de] urânio empobrecido, e o bombardeio e invasão do Panamá, Granada, Somália, Líbia, Iêmen, Paquistão Ocidental, Afeganistão, e agora a guerra devastadora do atrito intermediado contra a Síria. Enquanto eu escrevo (no começo de 2013) sanções patrocinadas pelos Estados Unidos contra o Irã estão plantando severas dificuldades para a população civil daquele país.

Tudo o que foi citado acima faz parte de uma muito incompleta lista da injustiça feia e violenta no mundo. Um inventário completo encheria volumes. Como nós registramos os outros incontáveis abusos que marcam vidas, os muitos milhões que sobreviveram a guerras e massacres, mas seguem para sempre com corpos e espíritos quebrados, condenamos a uma vida de sofrimento e privações sem dó, refugiados que não têm comida ou remédios ou água e serviços sanitários em países como Síria, Haiti, o sul do Sudão, Etiópia, Somália e Mali?

Pense nas milhões de mulheres e crianças ao redor do mundo e ao longo dos séculos que foram traficadas de maneiras impronunciáveis, e os milhões em cima de milhões presos em uma armadilha de exploração, sejam eles escravos, servos, ou trabalhadores mal pagos. O número de empobrecidos está agora crescendo em uma taxa que supera a população mundial. Some a isso os incontáveis atos de repressão, encarceramento, tortura e outros abusos criminosos que se abateram sobre o espírito humano em todo o mundo e todos os dias.

Não deixemos passar batidas a onipresente corrupção corporativa e as massivas fraudes financeiras, a pilhagem dos recursos naturais e o envenenamento industrial de regiões inteiras, o deslocamento forçado de populações inteiras, as catástrofes intermináveis de Chernobyl e Fukushima e outros desastres iminentes esperando o envelhecimento de muitos reatores nucleares.

As mais horrorosas aberrações do mundo são tão comuns e implacáveis que elas deixam de ser extremas e nós nos tornamos acostumados ao horror de tudo. “Quem hoje se lembra dos armênios?”, é uma pergunta que Hitler teria feito enquanto planejava sua “solução final” para os judeus. Quem hoje se lembra dos iraquianos e da morte e destruição que eles sofreram em larga escala pela invasão norte-americana de suas terras? William Blum nos faz lembrar que mais da metade da população do Iraque está ou morta, ou ferida, traumatizada, presa, deslocada ou exilada, enquanto seu meio-ambiente é saturado com urânio empobrecido (do armamento estadunidense) provocando horrorosos defeitos de nascimento nos bebês.

Padrões

O que será feito disso tudo? Primeiro, nós não podemos atribuir essas aberrações ao acaso, a confusões inocentes e a consequências não intencionais. Nem deveríamos acreditar nas justificativas comuns sobre espalhar a democracia, lutar contra o terrorismo, promover resgates humanitários, proteger os interesses nacionais dos Estados Unidos e outras palavras de ordem gritadas pelas elites dominantes e seus porta-vozes.

Os padrões repetitivos de atrocidade e violência são tão persistentes que nos convidam a suspeitar que eles geralmente sirvam a interesses reais; eles são estruturais e não incidentais. Toda essa destruição e chacina deu altíssimos lucros aos plutocratas que buscam a expansão econômica, a aquisição de recursos, o domínio de territórios e a acumulação financeira.

Os interesses dominantes estão bem servidos por sua superioridade em armas de fogo e força de ataque. A violência é do que nós estamos falando aqui, não apenas a do tipo selvagem e arbitrária, mas a persistente e bem organizada. Como um recurso político, a violência é o instrumento da autoridade suprema. A violência permite a conquista de terras inteiras e das riquezas que elas contêm, enquanto se aproveita de trabalhadores deslocados e outros escravos.

Os governantes da plutocracia acham necessário maltratar ou exterminar multidões inquietas para fazer com que elas morram de fome enquanto os frutos de suas terras e o suor de seu trabalho enriquecem os círculos sociais privilegiados.

Assim, nós tivemos uma lei imperial regida pelo lucro que ajudou a causar a grande fome no norte da China, entre 1876-1879, resultando na morte de por volta de 13 milhões de pessoas. Mais ou menos ao mesmo tempo, a fome de Madras, na Índia, levou as vidas de nada menos que 12 milhões enquanto as forças coloniais enriqueceram ainda mais. E noventa anos antes, a Grande Fome na Irlanda levou a um milhão de mortes, com outro desesperado milhão emigrando de sua terra natal. Nada acidental aí: enquanto os irlandeses morriam de fome, seus patronos ingleses exportavam carregamentos de grãos e gado para a Inglaterra e outros países, ganhando para si lucros consideráveis.

Essas ocorrências devem ser vistas como algo mais que apenas anomalias históricas flutuando sem rumo no tempo e no espaço, causadas apenas por impulsos arrogantes ou casualidades. Não é suficiente condenar os eventos monstruosos e os tempos ruins, nós precisamos tentar entendê-los. Eles devem ser contextualizados no quadro mais amplo das relações sociais históricas.

Crises econômicas

O sistema socioeconômico dominante atual é o capitalismo de livre-comércio (em todas as suas variações). Junto com seu terrorismo imperialista implacável, o capitalismo de livre-comércio proporciona “anomalias normais” dentro de sua própria dinâmica, criando escassez e um excesso mal distribuído, cheio de duplicações, desperdício, superprodução, destruição ambiental assustadora, e variedades de crises financeiras, trazendo inchadas recompensas para um grupo seleto e dificuldades contínuas para multidões.

Wikicommons
As crises econômicas não são excepcionais; elas são o modus-operandi do sistema capitalista. Outra vez, o irracional é a norma.

[Grafitti em Milão, na Itália, manda aviso ao ex-premiê Silvio Berlusconi: “Pague você a crise!]

Considere a história do livre-comércio: depois da Guerra da Independência dos Estados Unidos, houve as rebeliões de débito do final dos anos 1780, o pânico de 1791, a recessão de 1809 (que durou muitos anos), os pânicos de 1819 e 1837, as recessões e quebras ao longo de boa parte do restante daquele século. A séria recessão de 1893 continuou por mais de uma década.

Depois do desemprego industrial de 1900 a 1915 veio a depressão agrária dos anos 1920 – escondida atrás do que ficou conhecido entre nós como a “Era do Jazz”, seguida de uma horrenda quebra da bolsa e da Grande Depressão de 1929-1942. Ao longo de todo o século 20 nós tivemos guerras, recessões, inflação, lutas laborais, alto desemprego – raramente um ano que pudesse ser considerado “normal” em qualquer sentido agradável. Um período normal estendido seria ele mesmo uma anormalidade. O livre-comércio é desenhado para ser inerentemente instável em todos os aspectos fora o acúmulo de riquezas para os poucos selecionados.

O que nós estamos testemunhando não é um acaso irracional em uma sociedade basicamente racional, mas o contrário: o “racional” (a ser esperado) é o acaso de uma sociedade fundamentalmente irracional. Isso significa não podemos escapar aos horrores? Não, eles não feitos por forças sobrenaturais. Eles são produzidos pela ganância plutocrática e pela decepção.

Então, se o anômalo é a norma e o horror é crônico, na nossa revanche nós temos que dar menos atenção ao idiossincrático e mais ao sistêmico. Guerras, massacres e recessões ajudam a aumentar a concentração do capital, o monopólio de mercado e dos recursos naturais, e destroem organizações trabalhistas e a resistência popular transformadora.

Os caprichos brutais da plutocracia não são produto de personalidades particulares, mas de interesses sistêmicos. O presidente George W. Bush foi ridicularizado por errar as palavras, mas sua construção de impérios e remoção de serviços e regulamentos governamentais revelou uma grande devoção aos interesses da classe dominante. Da mesma maneira, o presidente Barack Obama não é covarde. Ele é hipócrita, mas não confuso. Ele é (em sua própria descrição) um antigo “liberal republicano”, ou como eu diria, um fiel servidor das corporações da América.

Nossos diferentes líderes são bem informados, não iludidos. Eles vêm de diferentes regiões e diferentes famílias, e têm personalidades diferentes, mas ele buscam basicamente as mesmas políticas representando a mesma plutocracia.

Ações

Então não é suficiente denunciar atrocidades e guerras, nós também temos que entender quem as propaga quem lucra com elas. Nós temos que perguntar porque a violência e a decepção são ingredientes constantes.

Consequências não intencionais e outras esquisitices acontecem em assuntos mundanos, mas nós também temos que levar em consideração as intenções racionais orientadas pelo lucro. É mais comum que as aberrações – sejam elas guerras, quebras de mercado, fomes, assassinatos individuais ou matanças em massa – tomem forma porque aqueles no topo estão buscando expropriações lucrativas. Muitos podem sofrer e perecer, mas alguém em algum lugar esta lucrando sem limites.

Conhecer nossos inimigos e o que eles são capazes de fazer é o primeiro passo na direção de uma oposição efetiva. O mundo deixa de ser uma confusão terrível. Nós podemos resistir a esses agressores quando nós vemos quem eles são e o que eles estão fazendo conosco e com nosso sagrado meio-ambiente.

As vitórias democráticas, não importa se são pequenas ou parciais, devem ser abraçadas. Mas as pessoas não devem ficar satisfeitas com favores cintilantes oferecidos pelos líderes suaves. Nós precisamos nos esforçar de toda forma possível pelo desenrolar revolucionário, uma revolução de democracia, o tipo de onda irresistível que parece surgir do nada enquanto leva tudo que está à sua frente.

* Michael Parenti é um escritor e historiador norte-americano. Seus livros mais recentes são The Culture Struggle (2006), Contrary Notions: The Michael Parenti Reader (2007), God and His Demons (2010), Democracy for the Few (9th ed. 2011), e The Face of Imperialism (2011). Para mais informações sobre o trabalho dele, visite seu site: www.michaelparenti.org. Artigo originalmente publicado no site Global Research

Pinheirinho, Um Ano Depois.

Vídeo

Pinheirinho, um ano depois é um projeto de documentário que tem o objetivo de registrar como vivem as famílias que moravam na antiga comunidade do Pinheirinho no decorrer do ano após a reintegração de posse realizada pela Polícia Militar de São Paulo em 22 de janeiro de 2012.
Através desse registro, queremos dar voz às pessoas que viveram o trauma da desocupação para que contem suas histórias e relembrem à sociedade de que elas seguem vivendo sem uma solução definitiva de moradia e, muitas vezes, em clara violação ao direito humano de ter uma moradia adequada.
Tendo em mente esse principio de divulgação o documentário será disponibilizado gratuitamente pela Internet.
Chegamos a um momento da produção em que, para realizarmos o documentário será necessário captar recursos para continuar viajando com toda a equipe e equipamento para acompanhar a vida dos ex-moradores do Pinheirinho.
Assim, preparamos um orçamento dos nossos gastos daqui até o final de janeiro, quando pretendemos finalizar o documentário. O resultado foi que o MÍNIMO necessário para concluirmos o documentário é de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Este valor só foi possível, pois consideramos o trabalho de todos os membros da equipe como voluntário, não estamos prevendo o pagamento de diárias.
Para captar o valor mínimo, optamos pelo sistema de financiamento colaborativo, também conhecido como crowd funding, através do site do Catarse. Por aqui você poderá apoiar o projeto fazendo sua colaboração direta para o site e, se em 90 dias não conseguirmos arrecadar o valor total, seu dinheiro será devolvido.
Como incentivo para conseguir colaboradores, pensamos em uma série de recompensas que serão oferecidas a cada colaborador de acordo com o valor de sua contribuição.

OUTRAS MÍDIAS
Para entrar em contato, saber mais ou acompanhar o projeto em outras mídias sociais, segue abaixo os nossos contatos.
E-mail: pinheirinhoumanodepois@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/PinheirinhoUmAnoDepois
Twitter: https://twitter.com/PinheirinhoDoc

. OBJETIVOS EXTRAS 
Se conseguirmos ultrapassar o valor mínimo para realização do projeto, isto é, R$ 10.000,00, temos objetivos extras a realizar que agregariam ainda mais valor ao documentário.
Se atingirmos o valor de R$ 12.000,00, a equipe de filmagem receberá subsídio do valor de alojamento durante as viagens a São José dos Campos para a gravação do documentário.
Se atingirmos o valor de R$ 14.000,00, a equipe de produção do documentário irá organizar uma noite de lançamento do filme na cidade de São José dos Campos junto com moradores do Pinheirinho e os colaboradores convidados de acordo com o programa de recompensa.
http://catarse.me/pt/pinheirinhoumanodepois#about

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Cristina versus Clarín.

Argentina: o porquê da campanha contra Cristina Kirchner

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Uma militante histórica da luta pelos direitos humanos narra o envolvimento Grupo Clarín com ditaduras, e tentativa de manter a qualquer custo monopólio da mídia

pescado no Outras Palavras

Por Leonardo Severo e Vanessa Silva, no Brasil de Fato

Aos 77 anos, Stella Calloni luta o bom combate, energizando com alegria tudo ao redor. Nos recebe em sua casa para falar sobre a Lei de Meios Audiovisuais da Argentina, a Ley de Medios.

A sala em que nos recebeu, repleta de quadros e imagens de diversos países, é um cenário internacionalista e integracionista perfeito para nossa conversa. O tema é o 7D (sete de dezembro), que colocou o debate sobre a comunicação na ordem do dia e mobilizou toda a sociedade argentina. Neste dia, o maior conglomerado de comunicação do país vizinho, o Grupo Clarín, deveria ter apresentado seu plano de adequação para desfazer-se de seu monopólio e adequar-se à lei. Todos os demais grupos de mídia o fizeram até a data, mas por uma ação judicial do Clarín, acolhida por uma corte de Justiça, o 7D não se consumou e a batalha pela democratização da palavra continua.

Escritora e jornalista, Stella desvendou a Operação Condor e tantos crimes macabros cometidos pelo imperialismo e seus testas-de-ferro no Sul do Continente. Stella estudou a fundo a lei dos meios e afirma categoricamente que se trata da “mais democrática e participativa da América Latina”, e tem um “significado especial para a conquista da soberania efetiva e o avanço da própria integração”. Frente ao festival de mentiras, calúnias e omissões que proliferam na imprensa contra a presidenta Cristina Kirchner e a nova lei, Stela nos convida a uma reflexão sobre quem se beneficia do caos na comunicação: “A desinformação é uma arma de guerra do Pentágono”.

Da mesma forma que O Globo, no Brasil, o Grupo Clarín foi claramente beneficiado pela ditadura. Como isso se deu?

Stella Calloni: Em 1978 a ditadura persegue a família do banqueiro e dono da empresa Papel Prensa, Davir Graiver, (empresa que detinha o monopólio da fabricação de papel jornal) acusado de trabalhar com o grupo guerrilheiro Montoneros. O proprietário morreu num estranho acidente em 1976, no México, e nunca se pôde achar o corpo nem nada. A suspeita é que o assassinato tenha sido executado pela CIA e por grupos secretos que trabalhavam com a ditadura. Então, numa manobra entre a ditadura, o Diário Clarín, o La Nación e o diário La Razón, que já não existe mais, fizeram o “acordo” com Graiver. Tudo assinado e sua esposa Lidia Papaleo de Graiver, que regressou ao país com sua filhinha de dois anos, foi detida e torturada num centro clandestino. Nessas condições, teve que assinar a “venda” da Papel Prensa. A “compra” foi por um montante que era nada e ocorreu, evidentemente, mediante extorsão. Do total do patrimônio, 80% ficaram para os três jornais e uns 20% da empresa para o Estado. Foi assim que o Clarín e o La Nación começaram a formar seu monopólio, pois quem tem o poder do papel jornal na mão tem o poder da distribuição deste papel. Em 1980, o regime da ditadura militar (1976-1983) dita por decreto a lei de radiodifusão que, neste momento, já concebia a comunicação como uma mercadoria. A ditadura havia aberto então a porta para a conformação de grandes grupos monopólicos.

Terminada a ditadura, o presidente Raúl Alfonsín chegou a questionar esta anomalia?

Depois de 1983, após a Guerra das Malvinas, cai a ditadura e Raul Alfonsín chega à Presidência. Em 1984 ele começa a se dar conta que a lei de meios da ditadura precisaria mudar. Então é desatada uma grande campanha do Grupo Clarín contra Alfonsín e nada avança. É esta a lei que se encontra em vigência até agora.

Como inicia esse movimento pela democratização da comunicação?

Nos anos de 1990 começa um trabalho coletivo de universidades, diretórios estudantis, profissionais, movimentos sociais e sindicais, sobretudo de profissionais de imprensa, entre eles a União de Trabalhadores de Jornalismo de Buenos Aires. Iniciam o debate sobre o tema da concentração de poder nos meios de comunicação. Vale lembrar que, em 1989, o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) privatiza tudo, além de um monte de meios de comunicação, escancarando as portas para a possibilidade de se comprar a quantidade de licenças que quisessem. Isso possibilita que, em 1995, quando começou a campanha para mudar a lei, Clarín já tivesse se tornado um grupo monopólico.

Qual o tamanho desse monopólio?

Beneficiado com esta lógica privatista, no ano 2000, Clarín já detinha 240 licenças, os canais 13, Toda Notícia, Volver, Rádio Mitre AM, 80 FM, Multicanal, Datamarket, por meio dos quais controlava quase todo o país, além de imprimir o principal diário, o Clarín, e a Olé, que é uma revista esportiva. Havia acumulado, portanto, bem mais do que todo o resto dos grupos.

No Brasil, o grupo Folha emprestava seus automóveis para a repressão. De que forma o Grupo Clarín agiu?

Este é um problema. O Clarín e os grandes meios colaboraram com a ditadura publicando como “enfrentamento” o assassinato de militantes pelos grupos policiais. É a velha história: a mídia fazia o jogo do poder econômico, dos latifundiários, dos banqueiros, das multinacionais, que manipulavam em todo o continente os meios de comunicação, ligados aos Estados Unidos, dependentes deles. Assim, quando os EUA viam que seus interesses estavam sendo contrariados, e que precisavam dar um golpe e invadir um país, utilizavam a mídia local. Foi assim na invasão à Guatemala, foi dessa forma que converteram o herói nicaraguense Augusto César Sandino em bandido. Por isso atacam tanto atualmente o presidente equatoriano Rafael Correa. O que está em jogo é a defesa dos interesses econômicos. Concebem a informação como mercadoria e a liberdade de expressão como liberdade de empresa. O que potencializou esse movimento foi o furacão neoliberal dos anos de 1990.

Você se refere à crise que vitimou bastante a economia Argentina?

A Argentina foi um dos países mais gravemente afetados pelo neoliberalismo. Acabaram os trens no nosso país. É uma coisa única no mundo, porque tínhamos cobertas nossas maiores extensões. Com isso morreram vários povoados no interior. Foi um retrocesso nos princípios iniciais da República, foram quebradas muitas empresas. O governo chegou a cortar publicidade para quebrar empresas de comunicação, a fim de que viessem os estrangeiros e seus testas-de-ferro, o que foi conformando um poder hegemônico. Foram apoderando-se, no caso da Europa, das agências de notícias, mancomunadas com interesses privados a tal ponto que perderam totalmente a espécie de independência que ainda tinham. Vocês como brasileiros, nós como argentinos, lembramos que quando tivemos as ditaduras recorríamos àquelas agências para fazer denúncias. Hoje elas são parte de um só discurso midiático.

Como avalia o papel dos novos governos populares nesta batalha pela liberdade de expressão?

Devido às mudanças que ocorreram na América Latina, vivemos o pós-neoliberalismo – ainda que este sistema não esteja completamente enterrado. O fato é que surgiram governos que expressam uma vontade popular totalmente distinta. Estes governos surgem das lutas populares nas ruas, nas estradas, e ressignificam a tragédia do neoliberalismo nos setores mais renegados e excluídos entre os excluídos. Afinal, os neoliberais concebem o desemprego como um disciplinador social, por isso, trataram de reduzir os sindicatos, debilitaram as defesas dos trabalhadores, desregulamentaram nossas economias. E a resposta veio da grande massa popular, dos piqueteiros na Argentina, por exemplo. O mesmo aconteceu na Bolívia, e na Venezuela com o Caracaço em 1989, que foi a primeira rebelião contra o sistema neoliberal produzida no continente. Os novos governos que surgem, como o de Hugo Chávez, vêm quando os países estavam afundados no abismo. Daí tantas rebeliões populares e a entrada em cena de Evo Morales na Bolívia, Nestor Kirchner na Argentina, Lula no Brasil, Manuel Zelaya em Honduras, a volta de Daniel Ortega na Nicarágua. São governos frutos destas rebeliões que mudam o mapa da América Latina, em contraposição à lógica das ditaduras que nos implantaram os Estados Unidos. Começa então um processo de integração e unidade. Isso dá um salto além do processo de integração econômica, como havia sido inicialmente concebido, para um processo de emancipação nacional, porque estamos em um processo de independência, ainda não temos nossa independência totalmente assegurada.

Como profissional que acompanha o debate sobre a democratização da comunicação há muitos anos, qual a sua avaliação sobre a Ley de Medios?

A Lei de Meios da Argentina é a mais democrática e participativa que se votou no país e, creio, em toda a América Latina. As diferentes organizações estão trabalhando nela, constantemente aperfeiçoando a proposta há 22 anos. Há uma grande aprendizagem, fruto de um acúmulo. A questão da mídia, pela sua capacidade de interferência na realidade, de pautar governos e influir no comportamento social, ganhou ainda maior relevância para a própria democracia.

Claro. Se antes existiam três meios potentes que destruíam um governo, neste período histórico temos milhares de repetidores destes meios potentes que têm um poder tão grande que agora são concebidos pelo Pentágono como arma de guerra. A desinformação hoje é uma arma de guerra. Massivamente pode-se destruir um mandatário, convertê-lo em ditador, sustentar uma mentira como as armas de destruição em massa no Iraque, uma mentira atroz como a usada contra a Líbia. Muammar Kadafi nunca bombardeou seu povo. Não deixaram nada em pé na Líbia. Então a mídia foi usada recentemente em quatro guerras coloniais: Afeganistão, Iraque, Líbia e, agora, a Síria, onde também estão produzindo devastação em larga escala. Temos também a questão grave dos bombardeios e do cerco a Gaza, na Palestina, países que foram divididos como o Sudão, e ameaçados, como o Líbano e o Irã.

Vejam como isso se reflete aqui na América Latina com a nova ofensiva dos grandes conglomerados de comunicação sobre os governos da região, tentando destruir a integração que conseguiu vencê-los. Nossa integração conseguiu parar golpes de Estado como o dado contra Evo, apoiou [Rafael] Correa e isolou os golpistas em 2010, desconheceu o governo ditatorial de Honduras e tomou uma decisão, como no caso do Paraguai, cumprindo com o regramento do Mercosul que defende a democracia verdadeira. Concebemos e reafirmamos a democracia como é: uma grande participação popular, e pela primeira vez os Estados Unidos caíram na sua própria armadilha. Não diziam que o que valia era o voto na urna? Pois pelo voto nossos povos afirmaram um caminho independente do governo de Washington. Como a vontade popular é favorável à independência, temos uma verdadeira guerra instalada no Continente, a guerra dos meios.

Voltando à Argentina, conte-nos mais sobre a guerra que está sendo travada pela mídia contra o governo de Cristina.

Na Argentina há uma desinformação enorme. Em 2008 quando o governo quis colocar um imposto para a venda da soja, pois havia uma entrada enorme de dinheiro, foi produzida uma tentativa de golpe de Estado. A paralisação das rodovias do Mercosul era um golpe estratégico. Conseguiu-se superar isso, mas a desinformação era tão grande que começou a confundir setores da sociedade, que são ainda cativos dos grandes meios, porque nenhum meio estatal tem o poder comunicacional deles, que abarcam todo o país. Com 240 licenças, o Grupo Clarín tem rádios de longo alcance em cada província, chegando até a Terra do Fogo, a mais distante. Conhecemos pela história de Goebbels e do nazismo, que tudo o que é repetido todos os dias vai formando uma verdade, uma opinião, que pode ser absolutamente equivocada. Como ocorreu com o povo alemão, as informações de Goebbels foram levando os alemães à sua própria destruição, pois não conseguiram ver que era falsa a mensagem.

A destruição da consciência, de países e povos, acontece via desinformação?

Aqui a desinformação é tamanha que ao ler o Clarín, da primeira à última página, são todas notícias negativas sobre a lei de meios. Chegou a um ponto que nunca havíamos chegado, de se oporem ao governo quando este defende a questão das Ilhas Malvinas, que são estratégicas não só para Argentina, como para toda a América Latina, porque senão teremos as maiores bases estrangeiras já instaladas, com alcance para o Brasil, para toda a região. Diante desta ameaça real, esses meios começam a desacreditar esta vontade, esta posição do governo, dizendo que é preciso respeitar os habitantes instalados no lugar, trazidos da Grã Bretanha. Querem justificar a falta de soberania, defender uma colônia a 14 mil quilômetros da Grã Bretanha, instalada em águas territoriais argentinas.

Esse é um comportamento que vem de longa data?

Veja, o La Nación é da família Mitre, oligárquica do passado, que sempre combateu os governos populares, tendo sido chaves na derrubada de Perón, em 1955. São sociedades cativas que se acostumaram a ter muito poder através desses meios. Mentem para este público dizendo que o jornal vai deixar de sair no dia seguinte à entrada em vigor da Ley de Medios. Mas no caso do jornal não há nenhum problema, pois a lei não tem alcance para os meios escritos. Isso é absolutamente falso. Eles podem ficar com até 24 canais e 10 rádios, mas não poderão ficar com as 240 concessões irregulares, porque isso é monopólio. A lei se rege também por regras da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que afirma que não pode haver monopólios informativos porque eles restringem a liberdade de expressão dos países. Então nos perguntamos: por que esta lei não está sendo cumprida pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)? Porque ela representa os donos dos meios.

No caso argentino, após amplo debate, aprovada pelo Executivo e pelo Legislativo, a lei foi obstaculizada pelo Judiciário. O que deve acontecer agora?

A lei entrou como projeto do governo, apresentada por todas estas organizações. Os deputados estudam a questão e a lei é aprovada por maioria pelo governo e pela oposição em outubro de 2009. De imediato, o Grupo Clarín começa a colocar medidas cautelares. Pressiona por uma medida cautelar para o artigo 161, que regula os monopólios midiáticos, que não deveriam mais existir e que todos os grupos deveriam se adequar. A lei não é nenhum ataque a um meio determinado. Tanto é assim que no dia 6 de dezembro, um dia antes do prazo, 19 grupos já haviam entregado seus planos de adequação para o governo. Havia um acerto que no dia 7 de dezembro a Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais de Comunicação (AFSCA) devia apresentar um plano de adequação para os que não cumprissem o prazo. Então uma Câmara Civil e Comercial integrada por juízes que têm até relação familiar com o Clarín, um juiz que foi convidado pelo grupo para ir a Miami fazer um debate contra a nova lei, suspende seu efeito.

Uma decisão em causa própria?

É impossível que uma pessoa possa ser juiz e parte, mas aconteceu. Um monopólio restringe a liberdade de informação e o Estado deve tomar medidas contra a intenção monopolista. E foi obstaculizado por uma decisão judicial. Deparamos-nos com uma verdade que ninguém quer dizer em toda a América Latina, na Argentina, no Brasil: a Justiça está impregnada pelo passado. Ainda restaram muitos juízes da ditadura, do poder econômico que veio depois, juízes que colaboram ativamente com as oposições locais.

Uma guerra pela democratização da comunicação. Dessa forma, como avalia o papel desempenhado pela SIP?

A luta pela democratização da mídia é a mãe de todas as batalhas. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que é a sociedade de todos os donos da mídia do continente, que tem grande influência dos Estados Unidos, está contra a Ley de Medios porque ela favorece a pluralidade de vozes, estabelece um limite para o número de licenças que cada grupo de empresários pode ter. A nova lei argentina determina que o Clarín não pode manipular tantos sinais, criou a Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA), determinou um máximo de 24 licenças de televisão por cabo e 10 de rádio AM ou televisão aberta para cada grupo, reconheceu o direito à comunicação com identidade dos povos originários, entre outros avanços. Na manhã do dia 8 de dezembro, começou a funcionar a primeira televisão mapuche e há mais de 20 rádios que passaram a ser feitas pelos próprios povos originários. Estou contentíssima com isso.

Sem romper com o monopólio do Clarín não é possível que a lei entre em vigor?

A lei indica que tudo devia começar com os aspirantes aos canais apresentando-se como cooperativas. E assim foi feito. Mas se não se rompe o monopólio, não tem como distribuir. Este é o problema. Já se permitiu a abertura de novas rádios em alguns lugares, apoiou-se pela primeira vez o desenvolvimento de pequenas e médias empresas que poderão ficar responsáveis por um canal de cabo, Cinquenta universidades já podem ter a sua própria televisão, foram liberadas mais de 365 licenças de AM e FM e devem sair outras 800 solicitações de distintos setores populares para rádio. Isso já está sendo cumprido, com licenças para organizações sem fins de lucro, canais educativos, de saúde, 1.150 frequências para rádios municipais, se abriram mais de 130 rádios em escolas e mais de 20 para povos originários. Mais de 50 cooperativas de serviços públicos em todo o país já têm sua licença e outras 100 as solicitaram. Isso dá uma ideia do que vai acontecer no dia seguinte ao que o monopólio acabar.

Como a nova legislação aborda a questão da publicidade?

A lei exige que a publicidade incentive a produção local. Assim se produziram mais de duas mil horas de conteúdo televisivo desde que chegaram os planos de fomento do Estado nacional e mais de 3.500 projetos foram apresentados em todo o país. Com recursos, 26 das novas séries de televisão foram realizadas nas províncias com atores e técnicos locais. A indústria audiovisual gera mais de 100 mil postos de trabalho por ano em todo o país, número que pode ser bastante ampliado com a diversificação estimulada pela lei. As pequenas e médias empresas (Pymes) já contam com mais de 2.800 horas diárias de programação e geram mais de seis mil postos de trabalho. Esta informação obviamente não é divulgada pela mídia, mas as pessoas necessitam ter a dimensão do seu significado.

A grande mídia esconde os benefícios da nova lei, mas seus defensores conseguem dialogar sobre a sua relevância para o avanço da democracia?

Dizem que ela é necessária, falam da democratização, mas não são divulgados fatos concretos, não se demonstra a importância de fato. O artigo 161 é importantíssimo porque, como já disse, sem mexer no monopólio não tem como distribuir. Então a decisão da Corte em favor do Clarín está interferindo no processo. Os demais grupos de mídia estão dispostos a cumprir a lei, mas a SIP vem à Argentina apoiar o grande monopólio, num dos maiores atos de intromissão nos assuntos internos de um país. Aqui, no dia 22 de maio, a Corte Suprema fixou que no 7 de dezembro venceria a medida cautelar. Agora, com o apoio de alguns juízes, conseguiram novamente protelar. O Clarín está burlando a legislação com acompanhamento externo e o Estado está lutando contra a velha justiça que responde ao poder econômico.

Em sua opinião, o que temos pela frente?

Em primeiro lugar, precisamos tornar mais didáticas as denúncias contra o grupo monopolista. Se o Clarín continua sem cumprir a lei, o Estado está obrigado a chamar concursos públicos. As licenças que excedam o mínimo estipulado pela lei devem ser entregues a novos titulares. A obrigação do Estado é chamar o concurso. Se não adequar-se ao processo, em sua luta equivocada, o Clarín terminará favorecendo os setores populares. Inclusive agora está em curso um processo judicial pelo caso da fábrica de papel jornal, onde os antigos donos estão denunciando como lhes tiraram seu patrimônio, de forma ilegal e indevida. A atuação é juridicamente reprovável porque se fez com pessoas detidas. Além disso, houve o descumprimento do que dispunha a lei quanto ao percentual de ações que deveria ter ficado com o Estado e que acabou sendo apropriado pelos grupos privados. O monopólio também amplia o poder e os lucros do Clarín, que obriga as demais publicações a pagarem um fundo para que possam ser distribuídas nas bancas. O Estado tem dito e repetido que não vai expropriar de nenhuma maneira, nem vai estatizar. Trata-se de garantir a pluralidade de vozes, algo que nunca houve. Ao contrário, uma quantidade de meios foram fechados durante a ditadura, inclusive com bombas, como o Diário Sur e o diário La Calle, do Partido Comunista. Há mais de cem jornalistas argentinos desaparecidos e 50 assassinados. Mas sobre isso a SIP não fala, como nada tem dito sobre o que está ocorrendo em Honduras onde em duas manifestações realizadas pela oposição foram espancadas equipes inteiras de televisão.

E como é possível romper com este cerco midiático?

Precisamos fazer cumprir o que diz a Corte Interamericana: os monopólios de comunicação cerceiam a liberdade de expressão. Quando os governos querem atuar para democratizar a palavra, se fazem de desentendidos. A informação é uma arma real para o poder hegemônico, uma arma para destituir governos. Uma arma tão real que muitas das notícias são fabricadas no próprio Pentágono, como as do Oriente Médio, e repetidas em todo o mundo. Imagine o poder que significa que, em todo o mundo, na mesma hora, a repetição da mesma coisa. Isso amplifica de uma forma perversa, eu diria terrorista, a desinformação. Não se respeita o direito dos povos a uma informação verdadeira, que ajude a população a ter mais educação e cultura. A isso se agrega os entretenimentos que são o maior modelo de desculturação que tiveram nossos países nos últimos anos. E isso é mais grave porque chega onde não há um jornal. Está em frente à televisão, está absorvendo anti-valores.